O Poeta

O poeta precisa da dor
Ele precisa sofrer
Ele precisa não ter para ser
O poeta precisa do “não”
Não existe poeta sem dor
Não existe poeta alegre
Pode até existir
Mas aí a poesia é outra
A poesia do poeta é diferente
É inerente
É existente na sua dor
Não existe poeta feliz
Se assim o for
É contemplativo
E assim, válido é
Mas na essência fica a dor
Jaz o amor
Que nele nasceu
E assim faleceu
Poeta sem dor não é poeta
Poeta tem um “quê” de profeta
Raro o poeta que abre a janela
E se assim o fizer, eu entendo
É o seu viver
É o seu vivendo
Poeta não vive de acordes maiores
Mas sim dos menores, dos diminutos
A dor emanada no acorde
E no seu acordar
Brincar com o cinza do céu
Este é o poeta
Que vive e morre todo dia
Que grita, que cala
Que ri, que chora
Que fala, que ouve
Que sente, que goza
O poeta vê beleza onde não tem
O poeta vê a beleza que ninguém vê
E isso basta
Basta para ele
Basta para o seu cerne
Seu cerne desconcertante
Sua calma feliz por fora
Sua alma berrante por dentro
O poeta precisa ver
O poeta precisa ouvir
O poeta precisa cheirar
O poeta precisa falar
O poeta precisa tocar
Em todos os sentidos
Este é o sentido do poeta
Tua vida é teu poema, poeta
Tua azia é tua poesia
Poeta fica na sua
Poeta vive da rua
Poeta é vida dura
Crua e nua
Poeta mora com todos
Mas vive sozinho
No seu coraçãozinho
No seu cantinho
Poeta não é atleta
Só no exercício da dor
De ver flor onde vive odor
Mas o poeta é feliz
É feliz sim
Ele precisa viver do olhar
Do sorriso e do choro
Do gozo e do sexo
Do sem nexo que ele vê
Do perplexo que ele crê
Poeta, você é assim
Vê poesia num capim
Desde o puro começo
Do meio em que vê o meio
Até o clarim que soa no fim
Poeta, o que te falta é nada
E mesmo assim
Seu nada vira tudo
Contudo
Ser poeta
É a sua meta.

João Aranha

17/06/2010

Vim te escrever

E assim foi, assim foram, assim está sendo e assim será. Uma folha, um lápis, ou uma caneta, não me lembro bem, mas lembro do início, da página branca, virgem para a tinta molhada deste ser, pura para receber as primeiras palavras ainda sem noção, sem pretensão alguma, apenas a vontade nova de expressar algo no papel, este cândido amigo, preparado para o que viesse ele receberia deste pequeno homem despreparado nas letras e na vida, mas, de certa forma, preparado para deixar seus sentimentos na folha em branco, toda alva num alvo de registros, mas pronta para abraçá-los com carinho e boa vontade, prestativa para com a vontade do menino ansioso, que mal sabia o que dizer, só certo estava de que algo seria ejetado de seu ser, de sua alma, de seu cerne. Vinte anos exatos se passaram e a vida mudou. Mudou e ainda muda, e na muda voz permanece a paixão pela escrita iniciada no dia 16 de abril de 1990, data comemorativa para este pequeno ser, mas mais comemorativa pelo nascimento de alguém encantador como Spencer, o famigerado e adorado Charles Spencer Chaplin, que escreveu sua poesia nas telas através dos gestos e trejeitos simplórios e pueris dentro da película que não falava, na linguagem muda que mudou a arte de fazer sorrir e chorar seres sensíveis que mudam o mundo surdo e cego, mas que abraçam o coração até daqueles que não o têm. E para quem tem, acredito eu, como eu, a primeira página de vinte anos atrás marcou um ofício, por vezes difícil de realizar, mas fácil no sentir, e por assim dizer, o prazer do deleitar não em busca do sucesso, mas o de confeccionar a alma escrita. A necessidade de se ler e ler o que se vive, o que se sente, o que se é. Vinte anos se passaram e passarão mais deles, e sem poderes, agradeço quem lê, quem me vê e quem me inspira ao escrever. Obrigado a todos.

João Aranha

15/04/2010

O Último Poema

Sim, é o último
É o último poema
O último do poeta
O último de tantos últimos
Que ficou para trás
Que ficou por último
Último por tentar ser o primeiro
O derradeiro, o por inteiro
Inteiro de paixões
De um ser apaixonado
Bestificado com o seu coração
Último por estar atrasado
Fadado ao fim da fila
Amarrado ao pé da vida
O ultimato da poesia
Da sensibilidade sem hipocrisia
O primeiro dos últimos
O último dos primeiros
Não o antepenúltimo
Nem o penúltimo
Mas o último
O último poema
A última estrofe
O último verso
O último gesto
Do último sentimento
Do último momento
Do último amor
E sem dor
Parto com louvor
Seja lá onde for
Com as últimas palavras
Com as últimas letras
Volto para a minha bolha
Escrevendo na última página
Com a última tinta
Na última folha.

João Aranha
06/04/2010

Eu queria escrever um poema…

Eu queria escrever um poema
Um poema que falasse de amor
Ou um poema que falasse de mim
Talvez um poema da minha vida
Ou até um poema sobre o ódio
Mas agora eu não tenho amor
E não quero falar sobre mim
Minha vida não tem poema
Tampouco ódio ou rancor
Eu queria mesmo era escrever um poema
Um poema com maestria
Com louvor ou heresia
Mas não tenho cerne para tal
Nem para o bem, nem para o mal
Teria até escolhido algum tema
Mas continuo no meu dilema
De ainda não conseguir
Escrever o meu poema.

João Aranha

12/03/2010

(14 de março – Dia Nacional da Poesia)

O Poeta sem Poesia

O poeta escreve sozinho
O poeta escreve para si
Escreve para o seu eu
Expressa sua palavra
Empresta sua letra
Jorra no papel
Seu lugar ao céu
Exprime seu amor
Sua alegria
Seu temor
Sua delicadeza
Seu odor
Quando falta tema
Teima em tê-lo
Colecionador de selos
Femininos
Grudados na boca
Fincados na memória
Poeta é poeta
No fogo, no gelo
E mesmo que não saiba sê-lo
Tem zelo
Pela sua obra
Pelo fervor
Faz da febre sua escrita
Que grita, que chora
Põe pra fora
O que ninguém entende
O que ninguém sente
O que ninguém vê
Jaz sozinho na cama aflita
Na mesa feia
De madeira bonita
Acende a vela
Mas não revela
Guarda para si
O seu tormento
O seu sustento
Poeta precisa de poesia
Poesia nasce de um poeta
Profeta
Profere
Numa rima que não ri
Só rima
Só ri
E só, ele ri
Vive, escreve
Da ponta do lápis
É parte vivida
Página rasgada
Apagada ou bem escrita
Uma vida
Por vezes pública
Por vezes pudica
Poeta que sempre implica
Com as vidas vazias de outrora
De outrem
Corações ocos peturbam o poeta
Ele quer mais
Quer viver depois da tinta
Ir além do papiro
Além do respiro
Da alma
Da alfa, da beta
Ele precisa do rancor
Que explique a saudade
Não importa a velha idade
Nem a que tem frescor
Poeta nasce triste
Mas vive bem
O insensível não compreende
Só vende o seu bolor
Descansa o poeta
Que sente amor
Regurgita dor
Louva o torpor descabido
Ou a singela libido
Faz-se da alma dos outros
Traz pra si o alheio calor
Não precisa ter mulheres
Só precisa das suas
Olhá-las sacia sua fome
Não importam os sobrenomes
Mas sim, seus nomes
Pobre poeta
Dorme tranquilo
Acabou o nanquim
Fechou o botequim
E aquela manequim
Não sabe de ti
Basta sua ciência
Sem consciência
Torna-se vivo
Distraído
Feliz e entorpecido
Na ausência de um amor
Mas para que escrevas
Meu caro poeta
O que lhe falta
É sua dor.

João Aranha

17/11/2009