DOR

A dor que vem
É uma espécie de morte
A dor é que nem
Abrir um corte
A dor não é um bem
Quem dera fosse
A ausência de sorte
A dor que vem
Fura o peito
Amassa o coração
Carcome a alma
A dor que vem
Poderia ser em outrem
Mas vem neste ser
Que parece não mais ser
Que padece em não mais ter
Que apodrece de sofrer
Não vejo luz
Quem sabe ela virá

Mas enquanto não acende
O nada me sente
O escuro está na frente
Enlouquece toda a mente
Só há o doente
Que entre unhas e dentes
Não se fez presente
Falece eu ente
Esperando crente
Que o amanhã melhor será

Mas enquanto ele não vem
É esperar uma breve cor
Viver na imensidão
E no declínio
De uma triste dor.

João Aranha
23/08/2017

Paúra

Fobia que não ia
Fobia que não ia embora
Que não sumia
Sempre aparecia
Sempre surgia
Pavor com louvor
Com terror de tê-lo
De sê-lo
De medo
De medo que não muda
Que muda a voz
Ou deixa muda
Muda que não vai crescer
Que não será planta
Afobado
Não colho mais a fobia
Nem o medo
Só recolho o que dá dor
E jogo fora
Sem dor
Tiro da mente
Tiro no peito
Tiro essa cor
Trago no cerne
Sem torpor
A dor cabida
A dor sabida
Da incerteza
Da tristeza
Mas com destreza
Cuspo a fobia
Piso no medo
Queimo o pavor
Fico limpo
Volto à minha mentira
Ou à minha verdade
De não mais ter essa dor.

João Aranha
31/08/2010

O Poeta

O poeta precisa da dor
Ele precisa sofrer
Ele precisa não ter para ser
O poeta precisa do “não”
Não existe poeta sem dor
Não existe poeta alegre
Pode até existir
Mas aí a poesia é outra
A poesia do poeta é diferente
É inerente
É existente na sua dor
Não existe poeta feliz
Se assim o for
É contemplativo
E assim, válido é
Mas na essência fica a dor
Jaz o amor
Que nele nasceu
E assim faleceu
Poeta sem dor não é poeta
Poeta tem um “quê” de profeta
Raro o poeta que abre a janela
E se assim o fizer, eu entendo
É o seu viver
É o seu vivendo
Poeta não vive de acordes maiores
Mas sim dos menores, dos diminutos
A dor emanada no acorde
E no seu acordar
Brincar com o cinza do céu
Este é o poeta
Que vive e morre todo dia
Que grita, que cala
Que ri, que chora
Que fala, que ouve
Que sente, que goza
O poeta vê beleza onde não tem
O poeta vê a beleza que ninguém vê
E isso basta
Basta para ele
Basta para o seu cerne
Seu cerne desconcertante
Sua calma feliz por fora
Sua alma berrante por dentro
O poeta precisa ver
O poeta precisa ouvir
O poeta precisa cheirar
O poeta precisa falar
O poeta precisa tocar
Em todos os sentidos
Este é o sentido do poeta
Tua vida é teu poema, poeta
Tua azia é tua poesia
Poeta fica na sua
Poeta vive da rua
Poeta é vida dura
Crua e nua
Poeta mora com todos
Mas vive sozinho
No seu coraçãozinho
No seu cantinho
Poeta não é atleta
Só no exercício da dor
De ver flor onde vive odor
Mas o poeta é feliz
É feliz sim
Ele precisa viver do olhar
Do sorriso e do choro
Do gozo e do sexo
Do sem nexo que ele vê
Do perplexo que ele crê
Poeta, você é assim
Vê poesia num capim
Desde o puro começo
Do meio em que vê o meio
Até o clarim que soa no fim
Poeta, o que te falta é nada
E mesmo assim
Seu nada vira tudo
Contudo
Ser poeta
É a sua meta.

João Aranha

17/06/2010