RAFAEL

cloud-657118_640

Domingo agora, começo da noite, estava eu tomando minha cerveja em um boteco no centro (que sempre passo em frente e está tocando clássicos do rock’n roll mas, neste dia, estava tocando aqueles sertanejos açucaradamente alegres, enfim…). Como não tinha uma mesa disponível, coloquei a ampola da cevada em cima de uma espécie de parapeito do bar enquanto degustava o suco de lúpulos e leveduras em pé quando noto alguém me chamar ao sentir um cutucar nos meus ombros. Olho para trás e vejo um garoto sentado no mesmo parapeito que serviu de mesa. A partir deste momento, seguimos com o diálogo:
– Oi!
– Oi!
– Você é músico?
– Sou.
– Ah…
– Mas por que você me perguntou isso? Eu tenho cara de músico?
– Tem sim.
– Que legal! Eu sou músico, mas não toco profissionalmente.
– Como assim?
– Eu tenho outro trabalho.
– Porquê?
– Porque a vida me levou para outro caminho. Eu tenho outro trabalho. Eu sou publicitário.
– O que é isso?
– Publicitário?
– É.
– Então… sabe o que é propaganda?
– Não.
– Sabe quando você vê televisão?
– Sim.
– E sabe quando você está assistindo um programa na TV e vem o intervalo?
– Sei.
– Então, quando vem o intervalo, não vem os comerciais?
– Aham…
– Então, eu faço os comerciais. Eu crio os comerciais (mal sabe ele que, atualmente, meus jobs não passam de um e-mail marketing…)
– Ah…entendi.
– Quantos anos você tem?
– 6. E você?
– Eu tenho 43.
– Nossa… é muito…
– É… sou bem mais velho… Mas vem cá…O que você quer ser quando crescer?
– Músico.
– Olha, que legal! Mas que tipo de música você gosta?
– Não sei…
– Mas não tem nenhum tipo de música que você mais gosta?
– Não.
– Ok. Qual o seu nome?
– Rafael. E você?
– João.
E assim, o garoto seguiu a brincar no boteco (sim, além dele tinham várias crianças brincando por ser aniversário de alguém que estava lá). Continuei minha cerveja. Ao terminar, eu queria dar um tchau para o pequeno Rafael antes de ir embora, mas não o via. Foi quando, após pagar no caixa, ele surgiu e disse:
– Tchau!
– Tchau, Rafael!
Passou mais um tempo, pedi uma latinha, afinal, estava chovendo e fiquei preso no boteco. E assim, terminando a latinha, passa o garoto Rafael pra lá e pra cá brincando com as outras crianças enlouquecidas por correr de um lado para o outro. Enquanto observava o corre-corre, o pequeninho “Rafa” vem ao meu encontro e, com seus bracinhos pequenos, me abraça com muito carinho, daquele jeitinho de criança que abraça suas pernas porque não alcança suas costas, e diz novamente:
– Tchau!
– Tchau, Rafael! Olha, vem cá! Vou te falar uma coisa… Eu sou músico, mas sou do rock, do jazz e da MPB. Não sei que tipo de som você gosta, mas não importa, tá? O que você quiser tocar, toque, viu? Se você quer ser músico, faça isso! Nunca pare de tocar, seja o que for! Vai em frente!
– Tá…
– Tchau, Rafael!
– Tchau!

João Aranha

24/02/2016

Briefing de Poeta

Briefing de publicitário tem metas
Briefing de poeta tem flechas
Briefing de publicitário tem target
Briefing de poeta tem pessoas
Briefing de publicitário tem prazo
Briefing de poeta tem seu tempo
Briefing de publicitário tem formato
Briefing de poeta tem sua forma
Briefing de publicitário tem referência
Briefing de poeta tem consciência
Briefing de publicitário tem foco
Briefing de poeta tem olhar
Briefing de publicitário tem venda
Briefing de poeta é vendado
Briefing de publicitário tem produto ou serviço
Briefing de poeta é servir com seu produto
Briefing de publicitário é conhecer o negócio
No briefing de poeta, o negócio é conhecer
Briefing de publicitário é beber na fonte
No briefing de poeta, a fonte é beber
Briefing de publicitário é tudo igual
Briefing de poeta não há nada igual
Briefing de publicitário tem cor certa
Briefing de poeta tem sua cor
Briefing de publicitário fala o que precisa
Briefing de poeta fala o que sente
Briefing de publicitário precisa ser entendido
Briefing de poeta não precisa entender
Briefing de publicitário é um job
Briefing de poeta não dá trabalho
Briefing de publicitário imita a arte
Briefing de poeta é arte que não imita
Briefing de publicitário paga as contas
Briefing de poeta não há conta que pague
Briefing de publicitário chega de última hora
Briefing de poeta chega na sua hora
Briefing de publicitário tem de ler
Briefing de poeta tende a ser lido
Briefing de publicitário sempre tem erro
Briefing de poeta vive do erro
Briefing de publicitário fica na mesa
Briefing de poeta faz sua mesa
Briefing de publicitário tem de entregar
Briefing de poeta tem de se entregar
Briefing de publicitário tem de ser aprovado
Briefing de poeta tem de aprovar-se
Briefing de publicitário tem entrada e saída
Briefing de poeta a saída é entrar
Briefing de publicitário tem de obedecer
Briefing de poeta tem desobediência
Briefing de publicitário tem de ouvir o cliente
Briefing de poeta tem de ouvir
Apenas
O seu coração.

João Aranha
31/08/2010