Domingo agora, começo da noite, estava eu tomando minha cerveja em um boteco no centro (que sempre passo em frente e está tocando clássicos do rock’n roll mas, neste dia, estava tocando aqueles sertanejos açucaradamente alegres, enfim…). Como não tinha uma mesa disponível, coloquei a ampola da cevada em cima de uma espécie de parapeito do bar enquanto degustava o suco de lúpulos e leveduras em pé quando noto alguém me chamar ao sentir um cutucar nos meus ombros. Olho para trás e vejo um garoto sentado no mesmo parapeito que serviu de mesa. A partir deste momento, seguimos com o diálogo:
– Oi!
– Oi!
– Você é músico?
– Sou.
– Ah…
– Mas por que você me perguntou isso? Eu tenho cara de músico?
– Tem sim.
– Que legal! Eu sou músico, mas não toco profissionalmente.
– Como assim?
– Eu tenho outro trabalho.
– Porquê?
– Porque a vida me levou para outro caminho. Eu tenho outro trabalho. Eu sou publicitário.
– O que é isso?
– Publicitário?
– É.
– Então… sabe o que é propaganda?
– Não.
– Sabe quando você vê televisão?
– Sim.
– E sabe quando você está assistindo um programa na TV e vem o intervalo?
– Sei.
– Então, quando vem o intervalo, não vem os comerciais?
– Aham…
– Então, eu faço os comerciais. Eu crio os comerciais (mal sabe ele que, atualmente, meus jobs não passam de um e-mail marketing…)
– Ah…entendi.
– Quantos anos você tem?
– 6. E você?
– Eu tenho 43.
– Nossa… é muito…
– É… sou bem mais velho… Mas vem cá…O que você quer ser quando crescer?
– Músico.
– Olha, que legal! Mas que tipo de música você gosta?
– Não sei…
– Mas não tem nenhum tipo de música que você mais gosta?
– Não.
– Ok. Qual o seu nome?
– Rafael. E você?
– João.
E assim, o garoto seguiu a brincar no boteco (sim, além dele tinham várias crianças brincando por ser aniversário de alguém que estava lá). Continuei minha cerveja. Ao terminar, eu queria dar um tchau para o pequeno Rafael antes de ir embora, mas não o via. Foi quando, após pagar no caixa, ele surgiu e disse:
– Tchau!
– Tchau, Rafael!
Passou mais um tempo, pedi uma latinha, afinal, estava chovendo e fiquei preso no boteco. E assim, terminando a latinha, passa o garoto Rafael pra lá e pra cá brincando com as outras crianças enlouquecidas por correr de um lado para o outro. Enquanto observava o corre-corre, o pequeninho “Rafa” vem ao meu encontro e, com seus bracinhos pequenos, me abraça com muito carinho, daquele jeitinho de criança que abraça suas pernas porque não alcança suas costas, e diz novamente:
– Tchau!
– Tchau, Rafael! Olha, vem cá! Vou te falar uma coisa… Eu sou músico, mas sou do rock, do jazz e da MPB. Não sei que tipo de som você gosta, mas não importa, tá? O que você quiser tocar, toque, viu? Se você quer ser músico, faça isso! Nunca pare de tocar, seja o que for! Vai em frente!
– Tá…
– Tchau, Rafael!
– Tchau!
João Aranha
24/02/2016